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O SEGREDO DE NOSSA CASA
Certo dia, uma mulher estava na cozinha e, ao atiçar a fogueira, deixou cair cinza em cima do seu cão.
O cão queixou-se:
– A senhora, por favor, não me queime!
Ela ficou muito espantada: um cão a falar! Até parecia mentira...
Assustada, resolveu bater-lhe com o pau com que mexia a comida. Mas o pau também falou:
- O cão não me fez mal. Não quero bater-lhe!
A senhora já não sabia o que fazer e resolveu contar às vizinhas o que se tinha passado com o cão e o pau.
Mas, quando ia sair de casa a porta, com um ar zangado, avisou-a:
- Não saias daqui e pensas no que aconteceu. Os segredos da nossa casa não devem ser espalhados pelos vizinhos.
A senhora percebeu o conselho da porta. Pensou que tudo começara porque tratara mal o seu cão. Então, pediu-lhe desculpa e repartiu o almoço com ele.
Nota : é fundamental sabermos conviver uns com os outros e assegurar o respeito mútuo, embora às vezes seja difícil...
In "Eu conto, tu contas, ele conta... Estórias africanas", org. de Aldónio Gomes,
1999
TODOS DEPENDEM DA BOCA
Certo dia, a boca, com ar vaidoso, perguntou:
- Embora o corpo seja um só, qual é o órgão mais importante?
Os olhos responderam:
- O órgão mais importante somos nós: observamos o que se passa e vemos as coisas.
- Somos nós, porque ouvimos – disseram os ouvidos.
- Estão enganados. Nós é que somos mais importantes porque agarramos as coisas, disseram as mãos.
Mas o coração também tomou a palavra:
- Então e eu? Eu é que sou importante: faço funcionar todo o corpo!
- E eu trago em mim os alimentos – interveio a barriga.
- Olha! Importante é aguentar todo o corpo como nós, as pernas, fazemos.
Estavam nisto, quando a mulher trouxe a massa, chamando-os para comer. Então os olhos viram a massa, o coração emocionou-se, a barriga esperou ficar farta, os ouvidos escutavam, as mãos podiam tirar bocados, as pernas andaram... mas a boca recusou comer. E continuou a recusar.
Por isso, todos os outros órgãos começaram a ficar sem forças...
Então a boca voltou a perguntar:
- Afinal qual é o órgão mais importante no corpo?
- És tu boca, responderam todos em coro. Tu é o nosso rei!
Nota : todos somos importantes e, para viver, temos de aprender a colaborar uns com os outros...
In "Eu conto, tu contas, ele conta... Estórias africanas", org. de Aldónio
Gomes, 1999
A HIENA E O GALA-GALA
A Hiena estabeleceu relações de amizade com o Gala-Gala.
Um dia, a Hiena preparou cerveja e foi chamar o seu amigo lagarto:
- Vamos beber cerveja.
Foram. O Gala-Gala embriagou-se. Perguntou à sua amiga Hiena:
- Amiga, tu que gostas tanto de carne, se me encontrares morto no caminho, és capaz de me comer?
- Não, isso nunca. Eu quero ser tua amiga.
O lagarto embriagou-se muito e despediu-se:
- Amiga, vou para minha casa.
- Está bem.
O Gala-Gala partiu. A meio do caminho, deitou-se e começou a dormir. A Hiena pensou: "O meu amigo bebeu muito. É melhor ir ver se ele chega bem a casa". Encontrou-o no caminho, deitado. Levantou-o:
- É sono, amigo? É embriaguez?
Segurou-o, virando-o. O lagarto calou-se, sem respirar. A Hiena agarrou nele e atirou-o para o mato. Depois saiu do caminho, foi ver onde é que o Gala-Gala tinha caído e encontrou-o.
- O meu amigo morreu.
Cortou lenha, fez fogo, e agarrou no lagarto para o assar na fogueira. O Gala-Gala, sentindo o calor do fogo, bateu com a cauda nos olhos da Hiena e subiu, depressa, para uma árvore.
A amizade entre eles acabou ali. O Gala-Gala passou a viver nas árvores e a Hiena continuou a andar no chão, para nunca mais se encontrarem.
In: Contos MoçambicanosPORQUE É QUE OS CÃES SE CHEIRAM UNS AOS OUTROS
Há muito tempo, quando os cães ainda não tinham sido domesticados pelo homem, viviam organizados em dois países. Cada país tinha um chefe e cada chefe gabava-se de ser mais poderoso que o outro.
Um desses chefes quis um dia casar com a irmã do outro. Mas, como eles estavam sempre zangados, o outro respondeu:
- Não. Não quero que sejas o marido da minha irmã.
O chefe que queria casar ficou furioso, porque gostava muito da irmã do outro chefe. Por isso mandou um dos seus servidores à terra do outro para lhe dizer:
- Se me recusas a tua irmã eu vou aí com o meu exército e destruo tudo.
Quando o servidor se preparava para partir, os conselheiros do chefe viram que ele estava todo sujo. Não tinha lavado a cara e tinha a cauda muito suja.
Ora era costume naqueles países uma pessoa ir limpa e bem apresentada quando ia à terra dos pais da noiva pedir-lhes a filha em casamento. Por isso perguntaram-lhe:
- Como se compreende que não te tenhas lavado?
Ele ficou muito envergonhado e os conselheiros encarregaram outros servidores de o lavarem muito bem e de lhe deitarem perfume na cauda para que ele cheirasse bem.
Quando o mensageiro ia pelo caminho, sentia-se muito vaidoso por ir tão limpo e com a cauda perfumada. Por isso esqueceu-se do que ia fazer. Começou a procurar uma esposa para ele próprio e desapareceu sem cumprir a sua tarefa até hoje.
É por isso que, desde essa altura, os cães andam todos sempre muito ocupados a cheirar a cauda uns dos outros para ver se encontram o mensageiro que desapareceu.
in: Contos Moçambicanos
INLD - 1979
O Elefante, escravo do Coelho
Uma vez, o Coelho andava a passear e encontrou um grande ajuntamento de animais sentados à sombra de uma árvore.
Cheio de curiosidade, quis logo saber do motivo daquela reunião e perguntou:
- Então o que é que se passa? Que novidades há por aqui?
Um dos animais explicou:
- Trata-se de um milando e estamos à espera do Elefante, o nosso chefe, para o resolver.
- O quê?... O quê?... O Elefante vosso chefe? - perguntou o Coelho, franzindo a testa.
E continuou:
- O Elefante não é chefe nenhum! O Elefante é meu escravo e leva-me sempre às costas a qualquer parte que eu queira!
Alguns do grupo admiraram-se:
- Como pode o Elefante ser teu escravo se tu és tão pequeno?
- O ser pequeno nada tem a ver com o meu valor - replicou o Coelho.
E, em tom autoritário, acrescentou:
- Já vos disse e torno a dizer que o Elefante não é chefe, é meu escravo, e por isso, vocês podem ir embora daqui, que nesta coisa de resolver milandos ele não tem nada que se meter.
Dito isto, o Coelho dirigiu os passos para sua casa e muitos dos animais foram-se também embora dali por terem acreditado nas suas palavras.
Algum tempo depois, chegou o Elefante e perguntou:
- Então onde estão os outros que aqui faltam? Atrasaram-se na viagem?
- Não! - explicaram-lhe os poucos animais que lá tinham ficado. - Os que aqui faltam foram-se embora há pouco tempo, porque passou neste lugar o Coelho e disse-nos que tu, Elefante, não és chefe, mas sim, um escravo dele.
O Elefante tremeu todo de indignação e, muito furioso, resmungou:
- Ah, Coelho malandro! Coelho vigarista!... Deixa lá que, hoje mesmo, me darás conta de palavras tão injuriosas e tão vis!...
Entretanto, o Coelho chegou a casa e fingiu-se doente. A mulher, cheia de pena, foi estender uma esteira e o Coelho deitou-se nela.
Daí a momentos chegou a Impala, que era cunhada do Coelho, avisando-o de que o Elefante já se aproximava para lhe fazer mal. E, transmitido o recado, retirou-se.
O Coelho, manhoso, entrou então em grandes convulsões, soltando, ao mesmo tempo, gemidos tão lastimosos que era mesmo de partir o coração.
Chegou o Elefante que se pôs a roncar, muito mal disposto:
- Ó Coelho, ó malandro, salta depressa cá para fora, que tens de me acompanhar.
O Coelho murmurou, a gemer e entrecortando as palavras:
- Oh! Por... fa...vor! Des...cul...pe-me... porque eu... não... es...tou... bom!... dói-me mui...to... o cor...po to...do! Isto foi... um mal que me deu de re...pen...te...
- Não quero saber! Seja como for, tens de vir comigo ao lugar onde estão reunidos os outros animais, porque ouvi dizer que tiveste o descaramento de enxovalhar o meu título de chefe e de dizer que eu sou teu escravo - replicou o Elefante.
- Tens to...da a ra...zão... mas o cer...to é que eu... não aguen...to ca...mi...nhar... para te po...der... acom...pa...nhar!
- Já te disse, tens de vir comigo, custe o que custar, mesmo que eu tenha de te levar às costas - ordenou o Elefante.
- Então só se for desse mo...do, mas fi...ca... sa...ben...do que mes...mo assim a via...gem me vai ser muito... pe...no...sa.
E, logo a seguir, chamou a mulher e disse, chorosamente:
- Dá cá a minha ca...mi...sa nova. Hi... Hi... Hi... Hi... vai tam...bém bus...car as minhas cal...ças no...vas.
E, depois:
- Já a...go...ra, traz tam...bém os meus sa...pa...tos no...vos! É que po...de a...con...te...cer que eu morra e, ao me...nos, que...ro morrer com os meus tra...jes mais ricos.
Uma vez o Coelho vestido e calçado, o Elefante abaixou-se e o Coelho saltou-lhe para as costas, onde se instalou muito bem instalado.
Estava um calor de rachar pedras. Antes de partir, o Coelho gritou para a mulher:
- Ó mulher, dá-me cá a sombrinha porque está muito calor... e posso agravar os meus males com alguma insolação.
O Elefante, em grandes e rápidas passadas, pôs-se a caminho da reunião.
Quando se aproximavam do lugar, o Coelho, deixando de fingir que estava doente, ensaiou uma atitude de pessoa importante e esboçou um sorriso feliz.
Os outros animais ao verem o Coelho assim todo solene e bem apresentado, às costas do Elefante, começaram todos com grandes exclamações:
- Olha! Olha!.. Sempre é verdade o que o Coelho dizia. O Elefante é escravo dele... pois que o traz às costas.
Quando o Elefante parou, o Coelho deu um salto, muito ágil e elegante, para o chão e, tomando a palavra, dirigiu-se assim aos outros animais:
- Estão a ver?... Estão a ver?... Eu não vos dizia que o Elefante é o meu escravo?
Todos os animais presentes romperam em grande gritaria, clamando:
- É verdade, sim senhor, é verdade. Tu, Elefante, não és chefe nenhum!... És escravo do Coelho pois o carregas às costas.
O Elefante só então deu pelo ato de estupidez que cometera e, cheio de vergonha, desandou dali para fora.
in: Contos Moçambicanos
INLD - 1979
O CELEIRO DO MUNDO
Quando Deus criou a Terra, serviu-se de um punhado de argila que amassou muito bem antes de a lançar para o espaço, onde se espalhou de norte a sul e de leste a oeste. Deus utilizou a mesma técnica para criar as estrelas, servindo-se desta vez, de bolinhas mais pequenas, que começaram a cintilar quando as projetou em todas as direções. Depois, aperfeiçoou a sua arte para formar o Sol e a Lua, enormes bolas de argila envolvidas numa espiral de cobre vermelho ou branco incandescente.
Terra era deserta e árida: Deus enviou-lhe a chuva para a tornar fértil. Em seguida, uniu-se ao novo planeta para gerar os seres vivos que o povoariam. O primeiro filho foi um chacal feroz e os seguintes foram gêmeos meio homem, meio serpentes.
Decepcionado, Deus retomou a técnica da olaria e moldou quatro homens e quatro mulheres de argila, os quais foram enviados para a Terra.
A missão dos oito primeiros seres humanos era simples: criar uma descendência numerosa e ensinar técnicas aos homens. A vida terrestre destes antepassados devia ter sido eterna, mas, passado algum tempo, Deus chamou-os para junto dele. Regressaram, pois, ao Céu, onde Deus os proibiu de se encontrarem, pois receava vê-los a discutir. A fim de poder matar a fome, deu a cada um deles sementes de oito plantas comestíveis, como o milho, o arroz e o feijão; a última planta, a digitária, era tão pequena e tão pouco prática de preparar que o primeiro dos oito antepassados jurou nunca comer.
Ora, acontece que todas as sementes se esgotaram, exceto uma: a minúscula digitária. O primeiro antepassado decidiu-se, então, a consumir esta última semente. Tendo rompido o juramento, tornou-se indigno de permanecer no Céu. Preparou, pois, o regresso à Terra.
O primeiro antepassado recordou-se então do estado miserável em que viviam os homens que abandonara à superfície da Terra: como formigas, habitavam galerias escavadas no chão; não possuíam nenhum utensílio, só conheciam o fogo e, além disso, teriam tido muita dificuldade em trabalhar, pois seus membros, como os dos antepassados, eram desprovidos de articulações e moles como serpentes. Antes de abandonar o Céu, reuniu, portanto, tudo o que considerou útil para os homens. Em primeiro lugar, um macho e uma fêmea de espécies desconhecidas na Terra: galinhas, galos, carneiros, cabras, gatos, cães e até mesmo ratos e ratazanas; entre os animais selvagens, escolheu os antílopes, as hienas, os gatos bravos, os macacos, os elefantes; pensou também nas aves, nos insetos e nos peixes. Ocupou-se igualmente do mundo vegetal, começando pelo baobá, e, naturalmente, não se esqueceu das oito sementes comestíveis que tão bem conhecia. Por fim, pretendia levar aos homens um fole, um martelo de madeira e uma bigorna, para os ensinar a fabricar instrumentos. Tudo isso era pesado e volumoso, mas ele teve uma idéia.
Com "terra de céu", construiu uma pirâmide truncada, cuja base era circular e o topo quadrado. No interior, ordenou oito compartimentos, nos quais guardou as sementes comestíveis. Nas paredes do edifício, escavou quatro escadas, nas quais dispôs os animais e as plantas. Em seguida, espetou no cimo da pirâmide uma flecha, à volta da qual enrolou um fio. Prendeu a outra extremidade do fia a uma segunda flecha, que enviou para a abóboda celeste. Faltava-lhe fazer o mais perigoso: subtrair aos ferreiros do céu um pedaço de sol, a fim de levar o fogo aos homens. Introduziu-se na oficina dos ferreiros e, utilizando uma haste encurvada, apoderou-se de algumas brasas e de um fragmento de ferro incandescente, que ocultou no fole. Por fim, lançou seu curioso edifício para o vazio, ao longo de um arco-íris: enquanto o fio se desenrolava como uma serpentina, o antepassado mantinha-se de pé, pronto para se defender dos perigos do espaço.
O ataque veio do céu. Furiosos, os dois ferreiros atiraram archotes acesos sobre o ladrão de fogo, obrigando-o a proteger-se com a pele de carneiro que envolvia o fole. Contudo, o edifício descia cada vez mais depressa, deixando no seu rastro um feixe de estrelas...
A aterragem foi violenta: o antepassado perdeu o equilíbrio, a bigorna e o martelo quebraram-lhe os membros frágeis, criando as articulações de que tanto carecia. Observou-se imediatamente a mesma transformação no corpo de todos os homens. O antepassado delimitou então, o primeiro campo, construiu a primeira aldeia e a primeira forja. Em seguida, ensinou os homens a cavar com uma enxada. Os outros sete antepassados juntaram-se-lhe, possuindo cada um deles o segredo de várias técnicas, como o fabrico de sapatos ou de instrumentos musicais.
(Mito africano de origem Dogon citado por Ragache em A Criação do Mundo - Mitos e lendas
A CABAÇA UNIVERSAL
A cabaça é um fruto do gênero do melão ou da abóbora, cuja casca grossa o torna útil para os homens, depois que se lhe retirar a polpa macia. Serve como jarro de água ou, se for cheio com sementes secas, dá para chocalho musical. Em alguns templos colocam uma cabaça redonda cortada ao meio horizontalmente, para receber pequenas oferendas ou objetos simbólicos. O fruto é muitas vezes decorado com gravuras, em ambas as metades, com enorme variedade de desenhos bem como figuras de seres humanos, animais e répteis.
Em Abomei, O Universo é considerado como uma esfera semelhante à cabaça redonda, e o horizonte fica nos bordos da união das metades do fruto. É aí que céu e mar se juntam, num local hipotético inacessível ao homem. A terra é considerada plana, flutuando dentro da grande esfera, tal como uma cabaça pequena pode flutuar dentro da maior. Dentro da esfera estão as águas, não só no horizonte como por debaixo da Terra. Este aspecto particualr é explicado pelo fato de que se alguém fura o solo sempre descobre água, de modo que esta tem de rodear toda a terra. O Sol, a Lua e as estrelas movem-se na metade superior da cabaça.
Quando Deus criou todas as coisas, a sua primeira preocupação foi formar a Terra, fixando os limites das águas e unindo bem os bordos da cabaça. Uma cobra divina enrolou-se à volta da Terra, para agregar e manter firme, e levou Deus a vários lugares, estabelecendo a ordem e sustentando todas as coisas com os seus movimentos essenciais.
(Mito africano de origem Abomei antiga capital da República Popular de Benin, registrado por Parrinder em África)
A CRIAÇÃO DO MUNDO
No princípio, o Deus único criou o Sol e a Lua, que tinha a forma de cântaros, a sua primeira invenção. O Sol é branco e quente, rodeado por oito anéis de cobre vermelho, e a Lua, de forma idêntica tem anéis de cobre branco. As estrelas nasceram de pedras que Deus atirou para o espaço. Para criar a Terra, Deus espremeu um pedaço de barro e, tal como fizera com as estrelas, arremessou-o para o espaço, onde ele se achatou, com o Norte no topo e o restante espalhado em diferentes regiões, à semelhança do corpo humano quando está deitado de cara para cima.
(Mito africano de origem Dogon reveladas por um velho cego, Ogotemmêli, escolhido pela tribo para contar aos seus amigos europeus os segredos da mitologia dos Dogons, relatado por Parrinder em África)
NENHUM REI É COMO DEUS
Quando um súdito comparece perante o seu rei, é natural que o saúde dizendo: "Que o rei viva para sempre." Uma vez, porém, houve um nobre que, cada vez que vinha a corte, dizia: "Nenhum rei é como Deus." Tantas vezes repetiu esta saudação que o rei ficou enfurecido e conspirou para o destruir. Ofereceu ao homem dois anéis de prata, dizendo-lhe que se tratava de um presente a ser bem guardado, mas na realidade o rei pretendia vingar-se através deles. O homem a quem todos hoje chamam de Nenhum-Rei-Como -Deus, aceitou os anéis e colocou-os dentro de um chifre de carneiro seco e vazio, que deu à mulher para guardar. Uma semana mais tarde, o rei chamou Nenhum-Rei-Como -Deus e enviou-o a uma aldeia distante, para dizer à população que viesse ajudar a construir as muralhas da cidade. Mal o nobre partiu, o rei enviou emissários à mulher, oferecendo-lhe um milhão de cauris (pequenas conchas importadas, usadas como moeda ou como ornamento) e cem vestidos e ornamentos de cabeça, caso ela lhe entregasse aquilo que seu marido lhe confiara. Tentada pelo esplendor dos presentes, a mulher entregou o chifre de carneiro, e quando o rei o abriu viu lá dentro, em segurança, os dois anéis de prata.
Mandou os criados atirá-lo para um lago profundo, que nunca secava. Estes assim o fizeram, mas mal o chifre tocou na água, apareceu um grande peixe que o engoliu. No dia que Nenhum-Rei-Como -Deus regressava a casa, cruzou-se com uns amigos que iam pescar e, tendo ido com eles, acabou por pescar o grande peixe. O filho, enquanto o limpava, bateu com a faca em qualquer coisa dura e chamou o pai para ver. Este retirou o chifre, e quando o abriu viu no interior os anéis de prata que o rei lhe dera para guardar. "Em boa verdade -- disse -- nenhum rei é como Deus!" Ainda estavam a tomar banho quando chegou um mensageiro real convocando o nobre à presença do rei com urgência. O homem perguntou à mulher onde estava o objeto precioso que o rei pusera à sua guarda, ao que ela respondeu que não o conseguia encontrar e que pensava ter sido comido por um rato.
O homem mesmo assim, pôs-se a caminho da corte real. Os outros conselheiros saudaram o rei da forma habitual, dizendo: "Que o rei viva eternamente." Mais o homem mais uma vez disse:"Nenhum rei é como Deus". O rei mandou calar os conselheiros e, avançando para o homem, perguntou: "É verdade que não há nenhum rei como Deus?" O nobre respondeu com firmeza: "É verdade". Então o rei pediu-lhe aquilo que lhe confiara, enquanto os guardas, prevenidos, o cercaram prontos a matá-lo. Mas Nenhum-Rei-Como -Deus, metendo as mãos debaixo do vestido, retirou o chifre e entregou-o ao rei. Este abriu-o e retirou os dois anéis de prata. "Na realidade, não há nenhum rei como Deus", disse, e todos os conselheiros manifestaram a sua aprovação. O rei dividiu então a cidade ao meio, dando metade para Nenhum-Rei-Como -Deus governar.
(Este provérbio: Nenhum rei é como Deus é um dos mais populares na áfrica Ocidental. Pretende demonstrar que Deus é o Ser Supremo, perante o qual todos os homens, sem exceção, devem se curvar. A origem do provérbio é atribuída a história nigeriana da etnia Haúça, registrada acima conforme foi coletada por Parrinder em África)
FONTE: http://www.emack.com.br/sao/webquest/sp/2004/africa/processo.htm